Contribuintes que declaram não ser residentes estão na mira da Receita
A Receita Federal fará um acompanhamento mais próximo em fundos de investimentos, bancos e contribuintes que declaram ser não residentes, após detectar que fundos de investimentos estruturados (os FIPs, em especial) estão sendo usados em planejamentos tributários considerados “abusivos” ou “agressivos”. Ao menos 50 fundos de investimento, dez bancos e 30 mil pessoas compõem esse grupo que não será fiscalizado oficialmente, mas que passará por um acompanhamento especial.
Nos Fundos de Participação em Investimentos (FIP), a alíquota zero sobre os rendimentos concedida a residentes (com até 40% de cotas) ou domiciliados no exterior é assegurada pelo artigo 3º da Lei nº 11.312/2006.
Segundo informações conferidas pela Delegacia de Maiores Contribuintes (Demac) de São Paulo, o argumento do Fisco é que investidores, por meio dessa estratégia, estariam sendo beneficiados com isenção do Imposto de Renda (IR) destinado a estrangeiros sem possuir esse direito. Eles também estariam fazendo uso de fundos para adiar o recolhimento do tributo por tempo indeterminado.
Atualmente, há seis acompanhamentos desse tipo em curso. De acordo com a delegada Márcia Cecília Meng, da Demac, a Receita está focada em identificar brasileiros (pessoas físicas ou jurídicas) que se passam por não residentes para deixar de recolher a alíquota de 15% do imposto sobre seus rendimentos; além de encontrar operações que visam escapar da tributação do IR sobre o ganho de capital com a venda de empresas.
A delegada cita como exemplo o caso de uma pessoa física que negava residir tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde possuía investimentos. “Para a SEC [Securities and Exchange Commission dos EUA] ele declarava morar no Brasil. À Receita dizia residir em Delaware. O contribuinte não era tributado em lugar algum”, conta.
Nesse caso, foi necessário apenas uma consulta ao site do órgão regulador americano para constatar a falsa informação.
Márcia também relata outras situações observadas, como a venda de empresas brasileiras e a transferência de cotas para fundos estrangeiros em que as cotas passaram para o fundo antes da venda ser efetiva, como maneira de evitar o pagamento de IR sobre o ganho de capital.
Outras ações, como a simulação de operações com longas cadeias para a obtenção de isenção de imposto também estão sendo observadas. Nesses casos, o objetivo pode ser tanto mascarar o brasileiro residente quanto “diluir” as cotas para não ficar evidente que um estrangeiro possui mais de 40% de participação no fundo (acima disso, não há mais alíquota zero).
A delegada da Demac ainda afirma que um banco, que não identificou para o Fisco quem seriam os beneficiários finais de cotas de um FIT, já foi autuado solidariamente por conta de uma operação envolvendo alguns bilhões de reais e que, por isso, essas instituições também podem ser responsabilizadas pela Receita. “A instituição financeira não pode representar alguém que não sabe quem é. Vamos responsabilizar solidariamente quem der causa a fraudes”, garante.
Acompanhamento da Receita
Paulo Ricardo de Souza Cardoso, secretário-adjunto da Receita Federal, afirma que “identificar os operadores por meio dos fundos é um desafio porque, muitas vezes, é estrangeiro, mas o investidor é brasileiro”.
Apesar disso, ele garante que essa identificação ficará mais fácil a partir do momento em que começar a valer a troca de informações entre nações previstas na Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária. O Brasil aderiu ao programa – leia mais aqui.
A sócia da área tributária do escritório Tozzini Freire, Ana Cláudia Utumi, entretanto, prega cautela à Receita ao distinguir cada situação analisada, para não espantar os bons fundos do Brasil, que realmente teriam direito ao incentivo. “O desafio da Receita será identificar o que é realmente artificial”.
Fonte: Valor Econômico